Delírios em Amarelo
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Doze Girassóis em uma Jarra- Van Gogh (recortado) |
Eu despertei do meu sono profundo às 8:15 de uma manhã de segunda-feira. Afastei as apáticas cobertas e contemplei o sol matutino e como ele passava esguio pelas frestas da porta da sacada e riscava a parede do meu quarto. Encostei por alguns segundos meu pé no chão e calcei as botinas amarelas de verniz. Dei um laço bem apertado, para assim não correr o risco de perdê-las pelo caminho, como aconteceu da última vez. Caminhei pelo corredor pisoteando e esmagando brutalmente meus medos e desesperos, minhas inseguranças e demônios, aniquilando qualquer resquício do sonho ruim que me atormentou durante eras.
O rastro de destruição que deixava para trás era amarelo. Poderia ser comparado com a morte, mas simbolizava a vida, minha vida, ela que havia me abandonado e agora me atingia como a luz que passa por um prisma. Os pensamentos, que antes trafegavam pela minha cabeça em um turbilhão, passavam agora por ela e se dividiam em um espectro de cor. Eu entendia. Eu via tudo, inclusive o amarelo das cortinas, que não era o mesmo amarelo das minhas botinas de verniz e nem o mesmo amarelo do rastro de destruição que deixei no corredor do meu apartamento.
Amarelo. Amarelo. Cor capaz de encantar Deus, é o que dizem. E como poderia não encantar!? É a mesma cor dos raios que aquecem a face Dele e aquecem o mundo em que vivo. (raios que são brancos, mas aqui direi serem amarelos por puro capricho.)
Eu seguia agora a luz vinda da sacada, afastei a cortina de outro tom de amarelo e saudei calorosamente cada planta que habitava a sacada do meu apartamento: as suculentas, samambaias e o kalanchoe. Caminhei mais uns poucos passos. Olhei para trás. Não havia mais rastro de destruição, pois não havia mais nada para ser destruído. Ergui os olhos o suficiente para poder admirar a luz, não mais por uma fresta ou pelos vidros de uma janela fechada, a verdadeira luz, que aquecia meu corpo e iluminava minha mente.
Extasiada, subi na última grade de proteção e mergulhei na imensidão da cidade. Eu estava livre.
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